Carne Viva
Exposição em parceria com a artista Paula Boechat no Centro Cultural Memorial Getúlio Vargas no Rio de Janeiro de 18 de Agosto a 28 de Setembro de 2024.
Trajetória
Instalação
Pinturas de pés em formas de sapateiro antigas .
2024
Superfície
Instalação
15 pinturas de olhos sobre espelhos acomodadas em
suportes de celulares.
2024
"O corpo é o centro do diálogo que Karin Cagy e Paula Boechat apresentam para o público do Memorial Municipal Getúlio Vargas. As artistas, cujas pesquisas focalizam na pintura um meio expressivo para as suas poéticas, encontram-se nesta exposição para apresentar os seus trabalhos mais recentes. Ambas partilham uma ideia sobre o corpo e o tempo, que imprimem em tudo as suas marcas, limitações e finitude. No entanto, diferente do que se poderia imaginar, todos os valores que poderiam ser negativamente abordados, aqui assumem um caráter positivo frente à própria existência. Tempo, corpo e vida, operam nesta exposição como ferramenta de sublimação da dor e terreno fértil para os desejos.
Em Carne Viva as artistas expõem obras realizadas no contexto pós-pandêmico, em que a percepção do tempo e o seu valor foram ressignificados. Se antes a passagem do tempo se constituía apenas como sucessão de horas, agora ele é a marca indelével da experiência, da sagacidade e da consciência. Ou melhor, é pulsão de vida, expansão da capacidade de sonhar. A condição de ser mulher em um mundo marcado pela pressão do patriarcado, da misoginia e do mercado da beleza ideal, certamente dá o tom de ambos os discursos. Ser mulher, com ambições e esperanças em Carne Viva, é o mote do que é apresentado.
Karin Cagy, que vivenciou durante muitos anos o mercado da moda como profissional, atualmente direciona o seu interesse artístico na elaboração de uma narrativa libertária para os corpos femininos. Peles, rugas, rendas, são atributos visuais que costurados nos tecidos ou simbolicamente nas pinturas e desenhos, narram a condição de ser mulher com as suas dores e delícias. Os corpos, costumeiramente alterados para se fixarem em padrões estéticos, aparecem fragmentados aglutinando as marcas da própria vida com peculiar sedução. A beleza aqui não se filia ao padrão clássico, antes é libelo pela libertação do desejo em Carne Viva.
Paula Boechat, cuja poética sempre esteve centralizada no corpo, notadamente com um interesse na matéria visceral que o compõe, apresenta um reposicionamento recente do seu trabalho. Após contrair uma meningite bacteriana, no ano de 2023, a artista foi abatida por uma surdez profunda. Esta condição ocasionou a presença constante de um “zumbido”, um ruído semelhante ao “zumbido de mar”, como descreve a própria artista. A intensidade do barulho e sua constância são entendidos por Paula como sons de uma praia deserta. Todas estas sensações e percepções ressurgem nas pinturas, cujo corpo – ainda em reabilitação motora – é protagonista. O corpo ativo, como Carne Viva, pulsa em cor e energia os gestos picturais que consolidam a sua abstração.
Por fim, é curioso considerar que a exposição é apresentada num espaço dedicado a um homem, em cujo governo foram conquistados o direito ao voto feminino e a licença maternidade. Certamente, estas conquistas não foram obtidas por livre vontade da direção hegemonicamente masculina do Brasil à época, mas da luta das mulheres que batalharam por essas garantias legais. Karin Cagy e Paula Boechat oferecem ao público uma oportunidade de repensar condutas, ressignificar a relação com o mundo feminino, e, sobretudo, de desconstruir preconceitos e estereótipos que interrompem os fluxos de vida e castram os sonhos. O desejo de ambas é que a vida pulse em cada visitante como uma sensação implacável em Carne Viva."
Shannon Botelho
Curador